12 DE MAIO DE 2020
(Parte 27) (Evento 54)
PRELIMINARES
Foi apresentada a contestação da Souza Cruz Ltda, dividida nos seguintes tópicos em argumentos preliminares:
i) coisa julgada;
ii) impossibilidade de cumulação de pedidos;
iii) inadequação da ação e da liquidação de sentença;
iv) violação à ampla defesa;
v) a impugnação ao valor da causa;
vi) a ausência de causa de pedir suficiente na CQCT para o pleito da União, alegando que a Convenção-Quadro tem apenas natureza programática.
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Preliminarmente, a ré aponta, quanto ao pedido de danos morais coletivos, o óbice da coisa julgada em razão de sentença anterior que considerou incabíveis danos morais coletivos em razão do impacto do tabagismo.
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Quanto ao uso da ação civil pública, a Souza Cruz aponta sua inadequação, já que a União perseguiria direitos patrimoniais de sua titularidade, em legitimação ordinária. Ademais, a pretensão abrangeria direitos individuais e heterogêneos, inviabilizando a ação civil pública como instrumento processual adequado, conforme jurisprudência do STJ.
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Existiria também a impossibilidade de cumulação de pedidos (de danos materiais à União e morais à coletividade) diante da ausência de conexidade subjetiva (o beneficiário do primeiro pedido seria a União e o do segundo pedido seria a coletividade), da exigência de procedimentos que são incompatíveis entre si (pois o pedido de dano material, in casu, deveria seguir o rito das ações comuns e apenas o pedido de dano moral coletivo o procedimento da LACP).
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A Souza Cruz pugna pela extinção do processo, sem resolução do mérito, por ser a ACP descabida e desprovida de utilidade. Isso porque, conforme se pode resumir, um resultado final prático (a obtenção da tutela indenizatória pretendida) não seria possível já que como o autor não logra demonstrar, em sua peça inicial, qual seria a técnica para o arbitramento do suposto dano indenizável, de nada adiantaria uma eventual decisão final favorável sobre o an debeatur, se posteriormente não haveria como se determinar, afinal, o quantum debeatur em concreto, revelando a falta de interesse de agir da AGU (art. 485, VI, do CPC);
MÉRITO
No mérito, a Souza Cruz aponta que:
i) em caráter prejudicial, que há prescrição da matéria;
ii) que há confisco;
iii) ausência dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil.
Passando ao mérito, a ré sustenta:
Prescrição
Segundo a Souza Cruz, a demanda traria pretensão indenizatória prescrita, uma vez que os atos atribuídos às Rés teriam ocorrido antes de 1988. Em palavras da ré: “Ora, não há que se falar, aqui, em relação de trato sucessivo. Os danos alegados, ainda que supostamente continuados, teriam origem em fatos determinados, que caracterizariam a lesão a direito alheio, de sorte que a prescrição os atinge diretamente e, conseguintemente, aniquila o próprio fundo de direito, fulminando a totalidade dos pedidos”.
O argumento do confisco
Segundo a Souza Cruz, haveria confisco travestido de ação de indenização, em violação clara a princípios constitucionais. Seria possível identificar no caso, segundo a Souza Cruz, uma vontade de transferência do rombo na arrecadação pública causado pelo mercado ilegal de cigarros para as rés. Já haveria elevadíssima carga tributária imputada à Souza Cruz no desempenho de uma atividade lícita e suficientemente regulada. O sistema constitucional brasileiro não admitiria a criação de novas formas de financiamento do SUS fora das hipóteses constitucionais, com atenção para o fato de que o sistema tributário constitucional pátrio veda a criação de obrigação financeira sui generis, com características análogas ao tributo, e que se estaria agindo em evidente confisco seletivo, gerando ameaça de falência das rés com vantagem competitiva ilegal e imoral para os concorrentes.
Ausência dos elementos para responsabilidade civil
Segundo a Souza Cruz, há ausência dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil (inclusive no que tange ao dever de informação): ato ilícito, nexo causal e dano indenizável, uma vez que os gastos com o SUS não representam violação a interesse jurídico legítimo da União, já que é dever do Estado prestar assistência à saúde. Afirma a Souza Cruz, ainda quanto ao dano, tratar-se de pretensão de reparação de danos hipotéticos mediante sentença condicional.
Para a Souza Cruz, haveria perseguição às rés, responsáveis pela criação de milhares de empregos diretos e indiretos no país, enquanto a própria autora (União) descumpriria seu dever constitucional de fiscalizar e impedir a prática de atividades ilegais como a distribuição e a comercialização de produtos fumígenos contrabandeados (atividade essa que, atualmente, superaria, inclusive, o mercado legal de cigarros).
Considerando serem argumentos já invocados pelas demais rés, cabe apenas destacar alguns pontos:
A Souza Cruz cumpriria à risca todas as determinações legais e regulatórias incidentes sobre a sua atividade lícita. As externalidades negativas (prejuízos) já estariam acobertadas pelas finalidades extrafiscais de tributos como o IPI.
Haveria uma distinção entre prejuízo e dano indenizável que a União estaria desconsiderando, sendo incabível a tentativa da União de caracterizar os custos com a prestação de serviços de assistência à saúde por meio do SUS – que refletem estrito cumprimento de dever constitucional atribuído ao Estado – como dano passível de indenização – ou seja, como violação de interesse merecedor de proteção jurídica, que decorreria do exercício do ato lícito de produzir e de comercializar cigarros.
Não haveria risco da atividade ou defeito do produto a ensejar a aplicação dos pressupostos da responsabilidade civil objetiva à espécie. No ponto, realiza distinção entre “atividade perigosa” e “produto perigoso”, apontando que eventual responsabilidade só poderia decorrer, em tese, por fato do produto, e não por sua (lícita e desprovida de risco) atividade de produção e comercialização de cigarros. Aduz que o cigarro consiste em produto de periculosidade inerente, cujos riscos são amplamente conhecidos pelos consumidores.
Inexistiria, ademais, o nexo causal direto e necessário entre a conduta das rés e os danos suportados pelos consumidores, e que, se inexiste tal nexo para os consumidores individualmente considerados – como já afirmou em dezenas de julgados o STJ – também inexistiria, por decorrência lógica, em uma demanda que busca reconhecer o nexo numa perspectiva coletiva. Não haveria qualquer motivação jurídica que sustente a teoria do nexo causal epidemiológico e que a atribuição causal por estatística para fins de responsabilização da Souza Cruz romperia com o princípio da segurança jurídica, consistindo em flagrante injustiça, na medida em que se atribuiria exclusivamente às Rés, indistintamente, resultados danosos reconhecidamente multicausais, relacionados não à sua atividade, em si considerada. Além do mais, o livre-arbítrio do fumante constituiria fato exclusivo da vítima passível de romper eventual nexo de causalidade, e que o consumo de tabaco é comportamento que está sob o controle dos fumantes, são pessoas juridicamente capazes.
Responsabilidade solidária
Relativamente à suposta responsabilidade solidária entre a Souza Cruz Ltda e a BAT plc., observa a primeira que o precedente invocado pela União para a pretensa responsabilização solidária “não guarda qualquer relação com o presente caso, tendo em vista a inequívoca relação consumerista nele verificada, o que, por óbvio, não ocorre nesta demanda da União, já que a Autora não é consumidora dos produtos fabricados pela Souza Cruz”.
Outros pontos:
No que toca à celebração do Master Settlement Agreement (MSA) nos Estados Unidos e o seu aproveitamento para a ação posta no Brasil, a Souza Cruz alega serem totalmente diferentes, especialmente no que diz respeito à tributação, à regulamentação e à fiscalização do mercado ilegal em ambos os países. Aduz que o MSA, ao contrário do que sugere a União, não acarreta vantagem financeira aos Estados Unidos superior à do Brasil, inexistindo um suposto tratamento discriminatório da ré em relação aos dois países. Isso porque, consoante afirma, o MSA representa impacto financeiro bastante similar à carga tributária brasileira.
PEDIDOS
NAS PRELIMINARES:
✓ A Souza Cruz pediu o acolhimento das afirmadas preliminares
NO MÉRITO:
✓ a improcedência dos pedidos.
Juntou os pareceres do médico Talvane Moraes, do professor Humberto Ávila, do professor Dr. Cândido Rangel Dinamarco e do médico Renato Veras.