12 DE MAIO DE 2020
(Parte 26) (Evento 53)
PRELIMINARES
Como principais argumentos preliminares, a PMI apresentou os seguintes pontos:
i) a nulidade da citação;
ii) ausência de incidência da jurisdição brasileira no caso;
iii) ilegitimidade passiva;
iv) falta de adequação-interesse no uso da ação civil pública;
e como prejudicial ao mérito, a
v) prescrição.
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A PMI corroborou argumentos apresentados em agravo de instrumento sobre a nulidade da citação. O judiciário considerou a citação válida.
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PMI também argumentou que não há jurisdição brasileira a incidir sobre a PMI. Isso porque a PMI, a PMB Ltda. e a PMB S/A são empresas distintas e nunca fabricou, fez publicidade ou comercializou cigarros no Brasil e, desde 2003, atua exclusivamente como uma companhia detentora de participações em outras companhias (holding), sem qualquer tipo de atividade operacional.
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Com fundamento nos artigos 21 a 25 do CPC, a PMI justifica que não é domiciliada nem possui agência, filial ou sucursal no Brasil, já que a PMB Ltda e a PMB S/A são subsidiárias indiretas da PMI.
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Não haveria qualquer obrigação a ser cumprida no Brasil e tampouco a PMI teria praticado atos ou participado de fatos no Brasil (art. 21, inciso III, do CPC) a ponto de atrair a jurisdição brasileira. O CPC não preveria, segundo a PMI, a atuação do judiciário nacional em situações nas quais apenas os efeitos de atos ou fatos ocorridos no exterior foram sentidos no Brasil, uma vez que a lei teria escolhido o local em que os atos foram praticados como elemento de conexão para fixar a jurisdição brasileira.
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E aponta que os diversos atos e fatos alegados na inicial ocorridos e praticados no exterior não seriam atribuíveis à PMI. A PMI não teria praticado nenhum dos atos que a União narra como ensejadores da alegada responsabilidade pelos supostos danos causados ao SUS, mesmo aqueles alegadamente praticados ou ocorridos no exterior.
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A relação entre as empresas seria indireta, havendo um distanciamento societário entre as companhias. Assim, a inclusão da PMI no polo passivo da ação juntamente com as sociedades do grupo que são domiciliadas no Brasil seria uma forma de burlar as regras próprias à desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil e nos arts. 133 a 137 do CPC. ;
a PMB Ltda. e a PMB S/A não se confundem com a PMI e a autonomia patrimonial das empresas deve ser respeitada, pois é “um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos”.
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A PMI alega a sua ilegitimidade passiva, com base nos artigos 17 e 337, XI do CPC.
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A PMI alegou, também, o uso indevido da ação civil pública, pois a União não poderia usá-la para buscar direito individual e patrimonial próprio – ressarcimento ao erário por danos materiais – e não poderia cumular tal pretensão com pedido de danos morais coletivos (direito difuso).
Como argumento prejudicial de mérito, a PMI indicou a prescrição. Segundo a PMI, a União não poderia alegar a teoria dos danos continuados, pois ela não identificou as vítimas que teriam sofrido os danos. Assim, o marco prescricional deve ser o primeiro momento em que a União teve ciência dos atos ilícitos alegadamente praticados (responsabilidade subjetiva ou objetiva) e dos gastos no SUS em razão desses supostos ilícitos.
Desse modo, a União teria ciência dos alegados ilícitos atribuídos à PMI e dos alegados danos sofridos pelo menos desde 1988, quando da criação do SUS. Naquele ano, todas as condições necessárias para a União ajuizar ação com objeto idêntico a este já estavam satisfeitas. Logo, a pretensão estaria prescrita, independentemente do prazo prescricional aplicável.
Mesmo se considerada a responsabilidade objetiva, a prescrição incidiria, uma vez que a responsabilidade objetiva com base em atividade de risco passou a viger no ano de 2003, sendo, portanto, o ano de 2003 o marco inicial para a contagem do prazo prescricional para a pretensão fundada na responsabilidade objetiva em razão de suposta atividade de risco.
MÉRITO
No mérito, a PMI alegou que a União não poderia requerer reembolso de gastos de saúde porque
i) não haveria ato ilícito praticado pela Ré;
ii) não haveria nexo de causalidade e demais pressupostos da responsabilidade civil;
iii) a condenação implicaria a criação indireta de novo tributo. Também não poderia sugerir a liquidação da sentença em fase de execução da condenação.
Segundo a PMI, a ação geraria discriminação inconstitucional contra a indústria do tabaco e contra apenas algumas empresas dessa indústria, violando os princípios constitucionais da isonomia, da livre iniciativa e da livre concorrência.
Ato ilícito e responsabilidade civil
Quanto à ausência e ato ilícito, a PMI informou que os tribunais brasileiros já consolidaram jurisprudência reconhecendo a inexistência de ato ilícito; a inexistência de defeito no produto; a ausência de nexo de causalidade; a inaplicabilidade de dados estatísticos ou matemáticos para dar lastro à responsabilidade civil em casos concretos de mortes associadas ao tabagismo; o livre arbítrio ou culpa exclusiva da vítima.
Em sua defesa, a PMI alega não ter praticado nenhum ato ilícito, não desenvolver atividade de risco e nem produzir ou vende um produto defeituoso. Isso porque não se poderia confundir produto de risco, que naturalmente é o caso do cigarro, com atividade de risco.
A PMI aponta que os fatos imputados pela Autora consistem em exercício regular de um direito, logo configuram excludente de ilicitude.
Nexo de causalidade
A PMI defende também a ausência do nexo de causalidade, pois haveria distanciamento temporal e causal entre os atos imputados à PMI e os supostos danos, que não são passíveis de reparação, visto que o ordenamento jurídico brasileiro teria adotado a teoria da causalidade necessária, em que o dever de reparar apenas exsurge caso o evento danoso tenha sido efeito necessário (i.e. direto e imediato) de determinada causa.
Ademais, o livre arbítrio de cada fumante para decidir se inicia, continua ou para de fumar seria causa de rompimento do nexo causal.
A prova da causalidade apenas por estudos epidemiológicos não seria permitida pelo direito brasileiro, pois o surgimento de concausas rompe o liame causal, afastando a reparação de danos indiretos ou remotos.
Também não haveria qualquer razoabilidade em se presumir que determinado fumante eventualmente acometido por uma doença associada ao fumo tenha consumido um cigarro fabricado por qualquer das rés e não de uma de suas concorrentes ou mesmo cigarros contrabandeados.
Neste ponto, a PMI reforça que todas as doenças elencadas na petição inicial são multifatoriais e podem ser potencialmente provocadas por inúmeros fatores de risco, notadamente, hábitos alimentares, sedentarismo, consumo de álcool, pré-disposição genética, exposição ocupacional, poluição atmosférica, dentre outros.
Ausência de solidariedade
De igual sorte, PMI sustenta que haveria solidariedade com base no art. 942 do Código Civil. Isso porque uma série de atos veiculados na inicial diria respeito apenas ao grupo econômico da BAT, com o qual a PMI não detém nenhuma relação ou comunhão de esforços. Inexistiria qualquer elemento a autorizar a responsabilização da PMI por tais atos, como inadvertidamente pretende a União, não havendo um “padrão homogêneo de conduta” que permita a aplicação do art. 942 do Código Civil.
Outros pontos
A Convenção Quadro para Controle do Tabaco não seria fundamento jurídico válido para ancorar a pretensão da União.
Os precedentes internacionais citados pela União não seriam aplicáveis a este caso, porquanto envolvem circunstâncias distintas das brasileiras: as leis são diferentes, os réus são diferentes, as marcas de cigarro são diferentes, as quantidades de nicotina e alcatrão são diferentes, as alegadas condutas ilícitas não são as mesmas e o grau de regulação dos governos varia.
Segundo a PMI, haveria diferenças significativas entre os casos estrangeiros e a ação:
● No caso Department of Justice (DOJ) v. Philip Morris Inc. (“Caso RICO”) tratou de uma lei norte-americana específica, o Racketeer Influenced and Corrupt Organizations Act (RICO). Não há nenhuma lei comparável ao RICO que seja objeto da ação.
● Os materiais canadenses citados pela União envolveriam leis específicas sobre o reembolso de gastos com saúde que foram devidamente aprovadas pelas legislaturas de cada uma das províncias do Canadá. Essas leis criaram um fundamento jurídico para os governos locais buscarem o reembolso de gastos de saúde relacionados ao tabaco, além de terem suprimido a possibilidade de apresentação de certas matérias de defesa, como a prescrição, e transferido certos ônus probatórios aos réus. Não há leis semelhantes no Brasil.
● Os casos da Nigéria e da Coreia do Sul ainda estão pendentes de julgamento e não há sequer decisão inicial sobre o mérito de nenhum deles, muito menos decisão final.
Ausência de danos materiais
PMI alega que a União não provou a existência de danos materiais, pois os gastos da União com saúde consistem em um dever constitucional (art. 196 da CF), que não poderia ser confundido com dano e não poderiam ser repassados aos particulares sem previsão legal. Além disso, a totalidade dos gastos com o sistema de saúde não poderia ser considerada um dano, porquanto dano é aquilo que o credor efetivamente perdeu. Assim, caberia à União demonstrar que os gastos despendidos com tratamentos médicos e internações aumentaram em razão de doenças direta e imediatamente causadas pela ilícita indução ao tabagismo que, por sua vez, teria sido causado por uma conduta ilícita da PMI.
Tampouco poderia ser reconhecido o pedido de danos para o futuro, por serem hipotéticos e incertos, já que, como pressuposto da responsabilidade civil, o dano deve ser concreto e imediato.
Liquidação da sentença
O pedido de liquidação de sentença, segundo PMI, seria impróprio porque a prova dos pressupostos da responsabilidade civil não pode ser postergada para a liquidação de sentença, que possui escopo restrito à quantificação pecuniária (quantum debeatur) do dano, cuja existência e autoria já deverão ter sido comprovadas na fase de conhecimento (an debeatur).
A metodologia de cálculo dos danos sugerida pela União seria igualmente imprópria, por utilizar dados genéricos e abstratos, além de não confiáveis em razão de uma gama de fragilidades, entre elas possíveis fraudes. Segundo PMI, os dados do SUS não poderiam ser utilizados para quantificar os gastos anuais da União com o tratamento de doenças causadas pelo tabagismo, que pressupõe o diagnóstico seguro da doença, bem como a sua relação com o tabagismo ou exposição à fumaça de cigarros. A utilização da fração atribuível populacional seria inadequada, posto que o direito brasileiro exigiria dano concreto e identificado. Assim, a mera indicação estimada, em percentual, não satisfaria o requisito legal. No mesmo sentido, a PMI alega que estudos epidemiológicos, por serem dados estatísticos gerais, utilizados para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde, e por avaliarem “populações” e não “indivíduos específicos”, não poderiam comprovar os custos médicos e hospitalares que a União cobra na ação civil pública.
Também seria inadequado o uso da teoria do market share pois não haveria previsão legal e respaldo jurisprudencial para tanto, além do que a fatia de mercado das rés não possuiria correlação com os fatos narrados e desconsideraria o momento da iniciação ao tabagismo e o momento do desenvolvimento da doença.
PEDIDOS
A PMI requer em sua defesa:
NAS PRELIMINARES:
✓ a imediata exclusão da PMI da ação em razão da ausência de jurisdição do Brasil
E subsidiariamente:
✓a extinção do feito sem o julgamento do mérito em razão da falta de jurisdição brasileira e da sua ilegitimidade passiva;
✓ a declaração de nulidade da citação da PMI;
✓ o reconhecimento da ausência de legitimidade passiva da PMI;
✓ o reconhecimento de inépcia da inicial decorrente da impossibilidade de cumulação dos pedidos de danos materiais e danos morais coletivos;
✓ a extinção da Ação sem resolução de mérito em razão da falta de interesse de agir (na modalidade adequação) em relação ao pedido de danos materiais.
NO MÉRITO:
✓ a extinção da Ação, com resolução de mérito, declarando-se a prescrição da pretensão da União ou, ao menos, a prescrição da pretensão referente aos danos morais coletivos;
E subdisiariamente:
✓ tendo em mente as 24 decisões favoráveis do STJ a respeito do assunto e as mais de 600 decisões favoráveis proferidas por tribunais em todo o país, o julgamento antecipado da lide, julgando-se improcedente a ação em razão de todos ou qualquer um dos argumentos declinados no capítulo E;
✓ caso não ocorra, a determinação para q todos os elementos de responsabilidade civil sejam provados pela União durante o processo de conhecimento, e não em liquidação de sentença, e os critérios sugeridos pela União para cálculo dos danos não sejam aceitos,
✓ a improcedência da ação.