CONTESTAÇÃO DA BRITISH AMERICAN TOBACCO – BAT

12 DE MAIO DE 2020

(Parte 24) (Evento 52)

A BAT apresentou contestação, com os seguintes argumentos:

PRELIMINARES

Como principais argumentos preliminares ao mérito, a BAT apresentou:

i) a nulidade da citação;

ii) a impossibilidade de incidência da jurisdição brasileira;

iii) a ilegitimidade passiva da empresa;

iv) inadequação da ação civil pública.

Como prejudicial de mérito, a

v) prescrição.

A empresa reforçou os argumentos de nulidade de citação, resolvidos em agravo de instrumento. O judiciário brasileiro entendeu ser correto e possível a citação das empresas internacionais na sede das nacionais, em razão de sua estruturação econômica, sem qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa.

Sobre a impossibilidade de incidência de jurisdição brasileira, a BAT sustentou que não há no caso nenhuma hipótese legal de competência concorrente da autoridade judiciária brasileira para julgar a BAT e seus atos.

Sobre a ilegitimidade para figurar no polo passivo da ação, a BAT alegou que seria uma holding estrangeira investidora em diversas outras sociedades ao redor do mundo e não teria participação societária direta na Souza Cruz. A BAT não comercializaria cigarros no Brasil ou em qualquer lugar do mundo e que sua atividade consistiria basicamente na organização e administração de investimentos.

Alegou, ainda, que entre as décadas de 1950 e 1990 não teria praticado atos ilícitos com suposta repercussão no Brasil, pois a BAT foi constituída somente em 23 de julho de 1997, começando a operar efetivamente em setembro de 1998, quando passou a ocupar o topo da estrutura societária do grupo em virtude de uma reestruturação.

A BAT não teria sequer participação direta no capital da Souza Cruz. Alegou que a Souza Cruz decide e executa, com plena autonomia, todas as ações ligadas à fabricação e venda de cigarros no Brasil, incluindo as ações de marketing e relacionamento com o Poder Público. Assim, deveria prevalecer a autonomia de personalidade jurídica e a separação patrimonial inerentes às sociedades, conforme dispõe expressamente o art. 266 da Lei 6.404/96 (Lei das S/A).

Tanto pela lei inglesa, como pela lei brasileira, não haveria qualquer fato alegado na inicial ou extraído dos documentos a ela juntados que justifiquem a desconsideração da personalidade jurídica da Souza Cruz para imputar responsabilidade à BAT, pois jamais participou da gestão e do controle da Souza Cruz.

Sobre a ausência de interesse-adequação para a propositura de ação civil pública, a BAT alega que a União não está defendendo qualquer interesse da coletividade ou da sociedade ou, ainda, direitos transindividuais ou individuais homogêneos, mas eminentemente interesse próprio, consistente em indenização por “dano material” relativo aos gastos do SUS com o tratamento de certas doenças tabaco-relacionadas. Assim, a União não estaria a tutelar interesse metaindividual que justificasse a utilização da ação civil pública, pois persegue uma indenização, exemplo típico de interesse individual, que deveria ser buscado por meio de uma ação individual pelo rito comum.

Haveria, ainda, segundo as alegações da BAT, a incidência de prescrição, já que desde o ano de 1988 passaram a ser veiculadas as cláusulas de advertência oficiais nos maços e publicidade de cigarros, conforme redação determinada pelo Ministério da Saúde, órgão da própria União. Além disso, a União financiaria o SUS, nos moldes atualmente vigentes, incorrendo nos gastos pelos quais pretende ser ressarcida pelo menos desde 1990, quando foi editada a lei que o regula (Lei 8.080/90). Este seria, segundo a BAT, o termo a quo do prazo prescricional, de acordo com o art.189 do Código Civil (actio nata).

MÉRITO

Em seus principais argumentos de mérito,  a BAT sustenta:

i) que o pedido de indenização é ilegal e inconstitucional;

ii) que não há pressupostos para a responsabilidade civil no caso.

A BAT argumenta que o pedido de que as fabricantes de cigarros indenizem o Poder Público por gastos com saúde é inconstitucional e ilegal, pois o custeio da saúde é constitucionalmente imputado ao Estado (art. 196) e a determinação de que as fabricantes de cigarros sejam obrigadas a ressarcir qualquer quantia aos Poderes Públicos contrariaria também o Princípio da Legalidade (art. 5º, II, da CF), porque não existe nenhuma lei que lhes imponha essa obrigação e impor aos particulares deveres correlatos aos direitos sociais colidiria com o princípio da livre iniciativa (CF, art. 170, §1o, IV e caput). Argumenta que  os tributos incidentes sobre a atividade são devidamente recolhidos e que existe um imenso mercado de cigarros atuando à margem da legalidade e isento de qualquer tributação.

Segundo a BAT, a indenização pretendida teria verdadeira natureza tributária e os tributos incidentes sobre a atividade são devidamente recolhidos, visto que a alta tributação imposta à atividade leva em conta a periculosidade inerente da atividade e se presta a possibilitar que o Estado garanta os direitos sociais previstos no art. 6º, da Constituição Federal, aí incluída a saúde.

Ademais, a indenização sobre ato lícito seria, na verdade, tributo que só poderia ser instituído por Lei (art. 150, I e 154, I, CF e art. 3º do CTN), jamais por sentença proferida em ação judicial, por ofensa aos princípios da legalidade (art. 5º, II, CF) e da separação de poderes (art. 2º, CF). 

Ademais, a BAT alega a ausência dos elementos da responsabilidade civil – ato ilícito, dano e nexo causal – no caso dos autos.

Ato ilícito

A fabricação e comercialização de cigarros seriam atividades lícitas e amplamente fiscalizadas e regulamentadas pela própria União, especialmente por meio do Ministério da Saúde e da ANVISA. Tampouco haveria  dano material suportado pela União, pois o seu dever de custear a saúde de forma universal e igualitária não pode ser confundido com um “dano”, por decorrer diretamente da opção de custeio adotada pela Constituição Federal (art. 196).

A BAT sustenta que há inúmeras decisões judiciais que afastam a responsabilidade civil de fabricantes de cigarros por danos à saúde individual e coletiva.

Dano

A BAT alega que, ainda que a ausência do próprio dano indenizável pudesse ser superada em uma ação de responsabilidade civil, a União não revelou o valor pelo qual pretende ser indenizada e nem tampouco forneceu uma forma confiável de se calcular essa indenização, pois não trouxe documentos contábeis comprobatórios das reais despesas do SUS. 

Para a BAT, no que diz respeito ao financiamento público da saúde, os custos relativos ao tratamento de doenças associadas ao consumo de cigarros precisariam ser calculados separadamente, para cada um dos entes públicos (estados, Distrito Federal, municípios e União) para que se pudesse chegar ao gasto específico da União com o SUS, pelo qual ela requer ressarcimento.

De outra parte, os formulários do SUS não seriam seguros porque às vezes são preenchidos com códigos de forma a gerar um maior valor de acordo com a tabela do SUS, além de estarem sujeitos a fraudes e trazerem informações médicas essenciais do paciente. Simplesmente somar os gastos com o tratamento das doenças tabaco-relacionadas no Brasil não resultaria em um número confiável. Além da deficiência no que diz respeito ao próprio conhecimento dos gastos do SUS com o tratamento de doenças tabaco-relacionadas, não bastaria simplesmente considerar a fração atribuível ao fumo de cada doença para mensurar os custos com tratamento a serem imputados ao fabricante de cigarros com algum grau de certeza médica.

Nexo de Causalidade

Segundo a BAT, não haveria prova de que os danos alegados ocorreram direta e imediatamente como resultado da má conduta alegada (art. 403, do Código Civil). Estariam ausentes, portanto, o ato ilícito, a culpa (art. 186, do Código Civil) e o nexo causal (art. 403, do Código Civil) em relação a BAT plc, o que levaria à improcedência desta demanda. 

Além disso, haveria o rompimento do nexo causal em razão do livre-arbítrio do fumante. O fumante exerce o seu livre-arbítrio ao optar por fumar e continuar fumando, sendo essa uma das principais razões pela qual a jurisprudência existente nas ações individuais tem imputado ao próprio fumante a exclusiva responsabilidade pelo acometimento de uma doença tabaco-relacionada, afastando a responsabilidade do fabricante de cigarros. 

A dependência, segundo a BAT, tampouco afastaria o livre-arbítrio do fumante, vez que seria perfeitamente possível parar de fumar a partir de firme motivação e efetiva força de vontade, elementos esses suficientes ao sucesso da decisão.

Ausência de nexo causal entre os ilícitos alegados na inicial e o aumento de gastos do SUS

A BAT sustenta que a epidemiologia não pode ser usada para estabelecer nexo causal direto e imediato. Afirma que as doenças tabaco relacionadas, como câncer de pulmão e doenças cardíacas, não são doenças causadas por um único fator de risco (consumo de cigarros), sendo multifatoriais. A evidência epidemiológica sozinha não consegue provar o nexo causal direto e imediato, pois estuda padrões de doenças e causas em populações, e não a causa da doença em qualquer indivíduo em particular.

As limitações da epidemiologia impediriam que o nexo causal direto e imediato seja reconhecido nas ações individuais movidas pelos próprios fumantes (ex-fumantes ou seus familiares) e impediriam a utilização de estatísticas para o reconhecimento de nexo causal direto e imediato entre os gastos suportados pelo SUS e o consumo de cigarros.

Ainda sobre a ausência de nexo causal, aponta a ré a relevância do mercado ilegal de cigarros no Brasil. Segundo a BAT, grande parte das pessoas atendidas pelo SUS com doenças tabaco relacionadas seriam consumidoras deste tipo de produto, pelo que seria absurdo imputar o gasto com o tratamento de saúde dessas pessoas às demandadas, levando em consideração o seu market share, que tem por base apenas o mercado lícito.

Ausência de fundamento legal

A Convenção Quadro para Controle do Tabaco não seria fundamento jurídico válido para ancorar a pretensão da União.

Por fim, a BAT afirma que o MASTER SETTLEMENT AGREEMENT (MSA) nos Estados Unidos não pode ser usado como precedente no caso porque:

i) os fatos que possibilitaram a sua existência são totalmente distintos do que ocorre no Brasil em relação à indústria de cigarros, sobretudo no que diz respeito à tributação e à regulamentação;

ii) o elevado custo das ações judiciais nos Estados Unidos – principalmente tendo em conta a edição de leis que obrigavam as empresas a realizarem o depósito integral de eventual condenação para que pudessem recorrer ao Tribunal de apelação – e a imprevisibilidade dos litígios é que levaram as fabricantes a decidirem, naquele país, pela via negocial, pois a realização de acordos satisfaria melhor os seus interesses;

iii)  foi produto de uma situação única nos Estados Unidos e que não envolveu as fabricantes de tabaco brasileiras;

iv) as conclusões a que se chegou na referida sentença não refletem a realidade histórica do mercado brasileiro de tabaco e nem a extensa regulação, no Brasil, pelo Poder Legislativo e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

PEDIDOS

A BAT requer em sua defesa:

NAS PRELIMINARES:

✓ a decretação da nulidade da sua citação;

✓a extinção do feito sem o julgamento do mérito em razão da falta de jurisdição brasileira e da sua ilegitimidade passiva;

✓ a extinção do feito sem o julgamento do mérito por ausência de interesse-adequação para a propositura de ação civil pública;

✓ O reconhecimento da prescrição integral da pretensão indenizatória da União;

NO MÉRITO:

✓ a improcedência, de forma antecipada, nos termos do art. 355, I, do CPC, considerando a jurisprudência do STJ existente sobre a matéria, bem como os sérios e relevantes óbices jurídicos que teriam sido demonstrados.

A BAT apresentou pareceres jurídicos com a contestação de Nádia de Araújo, Nelson Eizirik e Daniel David Prentice.

outos tópicos do resumo do processo

AS RÉS

As rés do processo são: SOUZA CRUZ LTDA.; BRITISH AMERICAN TOBACCO PLC, pessoa jurídica estrangeira, controladora da empresa SOUZA CRUZ LTDA.; PHILIP MORRIS BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.; PHILIP MORRIS BRASIL S.A., pessoa jurídica estrangeira; PHILIP MORRIS INTERNATIONAL, pessoa jurídica estrangeira, controladora das empresas PHILIP MORRIS BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA e PHILIP MORRIS BRASIL S.A.

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