Além do ressarcimento aos cofres públicos, a ação busca o pagamento de danos morais coletivos sofridos pela sociedade, com intuito tanto compensatório quanto pedagógico, e tem como fundamento as seguintes premissas, tendo em vista as diversas condutas ilícitas perpetradas pelas demandadas por décadas.
1
a Souza Cruz e a Philip Morris Brasil, bem como suas matrizes controladoras, fabricam cigarros, produto de tabaco consumido por milhões de pessoas no Brasil, sendo líderes no mercado lícito de venda de cigarros no país, detendo aproximadamente 90% (noventa por cento) de tal mercado;
2
o cigarro é comprovadamente nocivo à saúde, e a nicotina, seu princípio ativo, é uma droga psicoativa que causa dependência física e psíquica (CID 10: F17.2);
3
as demandadas, desde os anos 50, já detinham conhecimentos sobre as características nocivas de seus produtos, bem como da forte dependência causada pelo consumo. Tal conhecimento nunca foi compartilhado, espontaneamente, com a sociedade e com o Estado;
4
o tratamento das doenças associadas ao tabagismo onera significativamente o já deficitário sistema de saúde público. Os recursos gastos com esses tratamentos acabam por dificultar financiamento e o atendimento em saúde para outras demandas diversas;
5
em relação a determinadas doenças, os gastos da União com saúde caracterizam uma externalidade negativa causada diretamente pela atividade desenvolvida pelas empresas demandadas, o que se comprova por meio do nexo causal epidemiológico e se calcula por diversos métodos quantitativos cientificamente consagrados, que, inclusive, já foram aplicados em demandas similares, em foros internacionais;
6
há obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (art. 927, par. único, do CC);
7
as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação (art. 931 do CC);
8
o consumo do cigarro se consolidou na sociedade brasileira – e mundialmente -, antes que cidadãos e entidades governamentais estivessem cientes de sua nocividade em razão da conduta das empresas rés;
9
a British American Tobacco – BAT e a Philip Morris International – PMI, na condição de proprietárias e controladoras das filiais brasileiras, sempre detiveram e exerceram poder de direção e controle sobre elas, indicando seus executivos e impondo diretrizes relativas às estratégias de marketing e de lobby para defesa de seus interesses. Assim, além de receberem os lucros da produção nacional de suas subsidiárias, atos e omissões dessas empresas matrizes internacionais atingiram a população brasileira;
10
as demandadas, tanto as empresas matrizes, como as filiais brasileiras, há décadas teriam adotado estratégias para enganar o público e omitir informações sobre os malefícios do cigarro, bem como a extensão desses malefícios e da dependência da nicotina, além de incutirem benefícios do consumo de cigarros denominados light, tudo em contrariedade com suas pesquisas internas. Omitiram fatos sobre o seu produto (dos quais tinham inequívoco conhecimento, segundo documentos internos) e resistiram e resistem às regulamentações legais e das autoridades sanitárias;
11
comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187 do CC);
12
aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (art. 186 do CC) e aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (art. 927 do CC);
13
as atividades lícitas podem gerar danos e, por conseguinte, há dever de indenizar;
14
o Brasil deve promover suas leis para responsabilização civil das empresas fabricantes de cigarros, buscando inclusive a compensação pelos danos, sendo que as questões relacionadas à responsabilidade constituem um aspecto importante para um amplo controle do tabaco, nos termos do tratado global ao qual o país aderiu (artigo 19 da CQCT – Decreto n. 5.658/06);
15
a ordem econômica nacional, fundada na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna conforme os ditames da justiça social (art. 170 da CF/88). Isso significa que, embora não seja possível a mera proibição da comercialização de produtos derivados de tabaco, é preciso atribuir responsabilidade pelo dano causado em razão da nocividade do produto;
16
a responsabilidade civil não se confunde com o pagamento de tributos pois são relações jurídicas distintas;
17
as empresas possuem dever solidário de garantir a saúde pela formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças (art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.080/90), por meio de ações baseadas em evidências científicas reconhecidas e comprovadas;
18
uma vez determinada a condenação, definidos os parâmetros da obrigação de indenizar, a sentença deverá ser liquidada através da utilização do nexo causal epidemiológico, ou outro critério a ser adotado, para a quantificação dos danos.