GRANDE ACORDO JUDICIAL NO CANADÁ
A exemplo do grande acordo realizado nos Estados Unidos (Master Settlement Agreement – MSA), em 1998, fabricantes de cigarros também realizaram um grande acordo judicial no Canadá, homologado em março de 2025 pelo Superior Tribunal de Ontário, para ressarcir todas as províncias e territórios das despesas com o tratamento das doenças tabaco-relacionadas.
O acordo encerra ações propostas entre 1998 e 2014 pelas províncias e territórios canadenses, para obter o pagamento dos gastos estatais com despesas médicas para tratar doenças relacionadas ao tabagismo, com o pagamento de C$ 24,8 bilhões de dólares canadenses.
Nos Estados Unidos, essa conta já é paga há quase trinta anos e assim seguirá em perpetuidade, atribuindo-se a responsabilidade às empresas conforme a fatia do mercado de cada uma. Até o momento já foram pagos 171 bilhões de dólares, e dentre as empresas que são parte no acordo estão as subsidiárias das multinacionais British American Tobacco (BAT) e Phillip Morris, que também possuem subsidiárias no Brasil. Por meio do MSA, também foram tornados públicos mais de 40 milhões de páginas de documentos internos das empresas, houve restrições à publicidade e à comercialização de produtos do tabaco e o estabelecimento de uma fundação para reduzir o tabagismo. Para esta fundação, foram destinados US$1,7 bilhões de dólares.
O grande acordo no Canadá, contudo, é mais abrangente. Além da reparação para as províncias, o acordo prevê a reparação para fumantes adoecidos e seus familiares. Somando os valores definidos no acordo, as fabricantes de cigarro devem pagar um total de C$ 32,5 bilhões de dólares canadenses. Havia sido solicitado no processo, por partes interessadas, que fossem incluídas medidas de combate ao tabagismo no acordo, mas a reivindicação não foi aceita.
As empresas que assinaram o acordo são parte de grupos de empresas multinacionais, que também realizam atividade comercial no Brasil, a saber: a JTI-Macdonald Corp., subsidiária da Japan Tobacco International (JTI); a Imperial Tobacco Canada Ltd., subsidiária da British American Tobacco (BAT), que no Brasil tem como subsidiária a Souza Cruz ou BAT Brasil; e a Rothmans, Benson & Hedges Inc., subsidiária do grupo da Phillip Morris.
Essa conta também deve ser paga por essas empresas no Brasil
No Brasil, em 2019, a União propôs uma ação judicial buscando a reparação por danos coletivos causados ao Sistema Único de Saúde (SUS) com os gastos relativos ao tratamento de 27 doenças relacionadas ao ato de fumar. A ação foi proposta contra as empresas Souza Cruz e Phillip Moris, e suas matrizes internacionais. O caso segue em tramitação na justiça brasileira e está próximo de uma sentença que, espera-se, reconheça o direito a essa reparação.
O SUS precisa desses recursos para manter o atendimento universal e gratuito à saúde de todos os brasileiros, e as empresas precisam ser responsabilizadas pelos danos que causam e pagar essa conta. É uma questão de justiça!
Fabricantes de cigarros produzem e comercializam produtos comprovadamente nocivos à saúde dos consumidores e das pessoas expostas ao fumo passivo, causando danos individuais e coletivos. A exemplo do que ocorreu em acordos judiciais nos Estados Unidos e no Canadá, as empresas fabricantes de cigarros precisam ser responsabilizadas pelos danos que causam. Até o momento, essa conta tem sido paga pelo estado brasileiro e pela população, prejudicando os princípios da universalidade e gratuidade do nosso SUS.
As empresas fabricantes de cigarros reconheceram, nos acordos realizados nos EUA e no Canadá, a responsabilidade pelos danos que causam, concordando em ressarcir sistemas de saúde, fumantes e suas famílias. No norte global, as empresas abandonaram o argumento de que seus negócios seriam lícitos e, por isso, não seriam passíveis de responsabilização. Entretanto, no Brasil, as empresas mantêm esses argumentos e retardam o devido ressarcimento pelos danos que causam.
As indenizações
Os recursos serão destinados da seguinte forma:
- C$ 24,8 bilhões para os sistemas públicos de saúde das províncias e territórios, para o ressarcimento das despesas com o tratamento de doenças tabaco-relacionadas;
- C$ 6,6 bilhões para as vítimas ou seus herdeiros das ações coletivas de Quebec e outras demandas reconhecidas;
- C$ 1 bilhão para a criação de uma fundação nacional de pesquisa sobre câncer e doenças relacionadas ao tabaco.
Em contrapartida, as empresas obtiveram uma proteção (comprehensive release) em relação a novas ações relacionadas aos mesmos fatos. O acordo exclui produtos de “nova geração”, como cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido, do escopo da reparação.
Organizações de saúde pública criticaram a limitação imposta à fundação de pesquisa, que não poderá financiar campanhas de cessação ou de prevenção ao tabagismo, além da ausência de mecanismos de transparência sobre os documentos internos das empresas. Apesar disso, o acordo foi saudado como o maior já firmado fora dos Estados Unidos e representa o encerramento completo da litigância do tabaco no Canadá.
Histórico
O Canadá travou uma longa batalha legal contra as empresas fabricantes de cigarros para recuperar os elevados custos de saúde pública associados ao tratamento de doenças relacionadas com o tabagismo. Todas as 10 províncias e territórios aprovaram legislação específica que permite ao governo reclamar estes custos aos principais fabricantes de cigarros. Esta legislação, além de reafirmar o direito das províncias à obtenção de indenizações, também estabelece regras especiais para a condução de processos judiciais contra as empresas tabaqueiras.
Entre 1998 e 2012, todas as províncias e territórios apresentaram as suas reclamações em tribunal, mas em 2019, as empresas garantiram proteção aos credores no Tribunal Superior de Ontário. Essa decisão suspendeu temporariamente o processo para facilitar as negociações para um acordo global, iniciando uma mediação designada pelo tribunal que tem continuado desde então.
Também incluído nos procedimentos de insolvência mediada e supervisionados pelo tribunal está uma sentença de Quebec resultante de duas ações coletivas que foram combinadas. Em 2015, um juiz do Tribunal Superior de Quebec reconheceu que os fabricantes de cigarros sabiam das ligações entre cigarros e câncer, mas mentiram e ocultaram a verdade por mais de 50 anos, e inicialmente ordenou que as empresas pagassem cerca de 15 bilhões de dólares canadenses nas duas ações judiciais coletivas sobre de 100.000 fumantes e ex-fumantes, ou seus herdeiros.
A indústria do tabaco – ao longo de décadas – tem-se envolvido em comportamentos enganosos, causando danos intransponíveis às vidas dos canadianos e ao nosso sistema de saúde. O uso do tabaco mata 46.000 canadenses todos os anos e é a principal causa de doenças e mortes no Canadá. Segundo dados de 2023, ainda existem 3,6 milhões de canadenses que fumam, o que representa 11,4% da população com 18 anos ou mais.
A decisão histórica foi mantida por unanimidade por cinco juízes do Tribunal de Recurso da província em 2019, que condenou as empresas fabricantes de cigarros a pagar 6,8 bilhões de dólares canadenses mais juros (que chegaram a cerca de 14 bilhões de dólares canadenses) às vítimas pelo seu comportamento enganoso. Quase imediatamente após esse julgamento histórico, as empresas solicitaram proteção aos credores ao abrigo de uma lei canadiana (Companies’ Creditors Arrangement Act), que permite a uma empresa insolvente reorganizar os seus negócios para evitar a falência. O pedido de proteção dos credores dos réus do tabaco suspendeu todos os litígios contra eles e deu início a anos de negociações.
Em meados de outubro de 2024, quase 10 anos após a decisão de 2015, uma proposta de acordo entre todas as províncias (incluindo o julgamento da ação coletiva de Quebec) e as afiliadas canadenses da Philip Morris, British American Tobacco e Japan Tobacco foi tornada pública.
A BAT, parte do acordo no Canadá e que atua no Brasil a partir da Souza Cruz ou BAT Brasil, afirmou que o acordo resolve todas as ações judiciais sobre tabaco no Canadá, além de conceder uma quitação à subsidiária, à própria BAT e outras entidades relacionadas.
Bibliografia
Canadian Cancer Society criticizes proposed tobacco settlement as inadequate
Tobacco firms to pay $23.6bn in proposed Canada settlement
Big Tobacco nears $24 billion settlement to end Canada lawsuits | Reuters
Tobacco giants would pay out $32.5B to provinces, smokers in ‘historic’ proposed deal | CBC News
How the proposed deal between provinces, smokers and tobacco companies would work
Quebec appeals court upholds C$15 billion tobacco class action ruling | Reuters
Ontario court approves major $32.5B tobacco settlement | CBC News